terça-feira, 18 de junho de 2013

Marcha dos 100 mil X Vândalos da Alerj

Nota: Algumas generalizações serão feitas no texto. Não significa que todas as pessoas de classes sociais ou locais citados participem do que será descrito, é apenas uma opinião e eu entendo que dentro de qualquer grupo existem diferenças.

                Muito tem se falado nesse momento sobre os atos de vandalismo e violência ocorridos na passeata do dia 17 de junho, no Rio de Janeiro. Houve severas críticas aos manifestantes mais exaltados, pessoas sem entender o porquê de tanta violência, pessoas querendo defender o patrimônio público e pessoas que simplesmente queriam protestar em paz, sem medo de levar balas de borracha e de verdade, e que ficaram horrorizadas com os eventos ocorridos no palácio Tiradentes e na Alerj.
                
                Tenho lido diversos relatos e críticas a esses poucos manifestantes. Algumas dessas críticas até bem severas, com pessoas defendendo o uso de armas de fogo contra elas./ Até entendo algumas dessas críticas. Só que pensar simplesmente que eram vândalos, ou que eram uma massa manobrada por partidos mais radicais, é uma visão pouco ampla do evento ocorrido ali. E é um pouco sobre isso que eu quero falar.

                Antes que alguém ache que eu concordo com o que aconteceu, NÃO, eu não concordo. Achei exagerado, desmedido e descabido. Virar carros de trabalhadores, invadir lojas onde pessoas trabalham, saquear, quebrar patrimônio histórico, nada disso se enquadra nos meus ideais e acredito que nem na ideologia de toda aquela marcha buscando justiça social e fim da corrupção. Mas, o que aconteceu ali, reflete, em parte, o Estado de direito que não existe para grande parte da população, principalmente aqui no Rio de Janeiro.

                Sem fazer a linha a marcha é da nova classe média, a realidade é que grande parte da população pobre, excluída e mais afastada do centro e zona sul, tem dificuldade de participar desse processo. Apóia as reivindicações, mas não é politizada o suficiente para também estar na rua, para levantar uma bandeira e estar disposta a sofrer as conseqüências disso, como foi visto no domingo, no Maracanã, quando grupos pacíficos foram violentamente rechaçados pela policia. Para essas pessoas, o Estado de direito não existe, simplesmente porque não. Porque elas não têm contato com a democracia que a gente defende por saber ter direito. Muitas dessas pessoas não têm nem direitos, vide aquelas que vivem dominadas pelo tráfico ou por milícias, e, como todos sabemos, ambas financiadas pelo poder público.

                Subindo um pouco a Avenida Brasil em direção a Santa Cruz, temos a noção de como a política é diluída. Pequenos grupos de resistência, normalmente ligados a algum partido de esquerda, ainda tentam fazer algum tipo de mobilização. Mas, o que se vê, é a apatia geral. Não é à toa que o nosso maravilhoso prefeito Eduardo Paes foi eleito e com imensa vantagem nas áreas mais carentes, assim como o digníssimo governador que xingamos tanto. Isso ocorre também pelas pessoas não acreditarem na política, nem nos políticos, então qualquer um que faça algo de fachada, como clínicas da família e UPAs, passa a merecer votos com o discurso pelo menos ele fez alguma coisa. Só que com o tempo, essa mesma população percebe que foi enganada novamente (como já havia sido com o Rio Cidade e Favela-Bairro do singelo César Maia). Tudo isso só aumenta o sentimento de impotência destas pessoas diante do poder público. Deputados são escolhidos, por aqui, por serem amigos de amigos, com o discurso se é para botar alguém lá pra roubar, que pelo menos seja algum amigo. E a cada escândalo em qualquer esfera governamental não incita mais um sentimento de revolta, e sim de conformidade. O que se ouve é isso já é normal, é assim mesmo.

                Quando a juventude foi às ruas reivindicar tanto o aumento abusivo das passagens, a qualidade dos transportes públicos, o dinheiro gasto na Copa (e que ainda será gasto nas Olimpíadas), a população como um todo viu que existe algo que pode ser feito. Trouxe um clima de que tem alguém lutando por eles, por nós. Só que, a realidade para além da passarela 23, assim como da baixada, é de extrema revolta, mas muito mais de incredulidade sobre os rumos, já que estão acostumados a ver as coisas estagnadas. Eu ouvi por aqui pessoas falando daqui a pouco eles cansam e volta tudo a mesma coisa. Somando isso ao fato de essas pessoas viverem à margem do Estado por vários motivos: falta de saneamento básico, descaso com transporte, saúde ridiculamente precária, violência e opressão policial diária, cria-se um sentimento de ou as coisas mudam na porrada ou nunca vão mudar.

Quem olha os protestos de fora, pode ter a ideia de que toda a população está sendo representada. Mas tem muita gente que pode até estar sendo representada, mas que não se sente como tal. Pessoas que, quando olham para aquele mar de gente tão exaltada pela mídia na segunda, simplesmente não se vêem. Não vêem pessoas que tem que acordar às 03hs e meia da manhã para entrar em um ônibus lotado, com saco plástico no pé, para depois tomar chicotada dos agentes da SuperVia. Não vêem naquela massa pessoas que tem que dormir no chão com medo de levar um tiro por conta de guerra entre quadrilhas do tráfico ou entre elas e a policia. Não vêem ali pessoas que tem que pagar por uma segurança particular (as milícias da zona oeste) e, caso se recusem, são espancadas ou mortas em praças públicas ou no meio da rua para servir de exemplo. E isso não é só cena de Tropa de Elite 2, não! Isso existe! Acontece aqui em Realengo, acontece em Bangu, acontece em Campo Grande. ACONTECE!

                Essas pessoas, quando vêem essas manifestações, apenas aplaudem e acham bonito. Mas, em sua consciência acreditam que nada vai mudar. Justamente pela descrença no poder público, na política, nos políticos, na burguesia exploradora, nos partidos de esquerda vendidos, em tudo. A única realidade deles é que eles tem que acordar no dia seguinte as 03hs e meia da manhã com saco plástico no pé e ir trabalhar para tentar dar uma condição melhor para seus filhos, que por muitas vezes estão na rua, absorvendo toda essa falta de esperança e expectativa em algum futuro. E quando alguém invade o covil desses vilões que são os políticos, quando picham as fachadas, quando viram carros, quando dançam ao redor da fogueira na frente da polícia, isso acaba se tornando uma vitória para essa parte da população. Uma população que queria já há muito tempo dar um tapa na cara de um policial, não por que desrespeita a profissão, mas por um sentimento que ultrapassa o pessoal e cai sobre a instituição corrupta que esta se tornou. Não seria de se espantar que espancassem Sergio Cabral e sua corja, porque essa é a realidade deles. De opressão diária e incredulidade em relação a mudanças. Essa é a vitória deles. Essa é a verdadeira realidade que a imprensa esconde. A violência policial que ocorreu em São Paulo e no Maracanã no domingo é só um pequeno exemplo do que ocorre dentro de favelas e nos subúrbios do Rio, longe das câmeras.

              É claro que a opinião pública influencia muito essas pessoas, e na real, ninguém gosta de vandalismo e violência, mas essa parte da manifestação, mesmo eu considerando errada, tem espelho na sociedade. Esconder isso é perpetuar exatamente o que acontece. É preciso dar nome aos bois e mostrar para os políticos que esse é o monstro escondido em anos de opressão e falta de investimentos.
Não serei inocente de pensar que as pessoas que invadiram lojas, que destruíram o Palácio Tiradentes são pobres ou marginais. É claro que tinha um intuito de vários lados, incluindo partidos radicais, o próprio governo que assistiu e assiste a tudo esperando que o próprio movimento se desarticule por conta desses eventos. Mas a verdade é que a população do Rio é extremamente violenta. É fácil perceber isso quando você convive nos subúrbios. Não é só uma violência criminosa, no sentido de querer infringir a lei; é uma violência inerente à situação social em que se vive. Um sentimento de lei do mais forte que tomou a população do Rio nesses últimos 15 anos.

              Não tenho embasamento para dizer se isso é histórico, mas é fato que a falta do Estado presente (Estado não só como força policial repressora, mas como força social) fez criar essa sensação que você só é mais fraco que o outro se ele estiver mais armado que você. Um ótimo exemplo disso são as torcidas organizadas de futebol. Elas são verdadeiras gangues, na maioria das vezes armadas, e que ao invés de serem tratadas como criminosas e responsabilizadas as pessoas que cometem crimes nos estádios e nos arredores, são tratados como torcedores enquadrados num estatuto cujo único objetivo era fazer com que mais dinheiro fosse gasto para adequar estádios à essa realidade.

                 Imaginar que os atos de vandalismos que aconteceram na Alerj é responsabilidade de um pequeno grupo de bandidos (como estão sendo chamados na internet) é superficial e um pouco leviano. Eles representam o que o Estado criou. Uma parcela da população que não conhece o Estado, só conhece a repressão e a falta de representatividade. Pessoas que não tem zelo pelo patrimônio público porque eles não são públicos, e esse patrimônio não pertence a eles. Simplesmente porque eles não pertencem. São excluídos, nasceram e cresceram excluídos e aprenderam que quem não bate, apanha. E cansaram de apanhar. 

               Novamente, e para finalizar, sou CONTRA atos de violência de qualquer um dos lados. Achei absurdo o que eu presenciei na Rua 1º de Março. Já me coloquei à disposição para participar de uma manifestação que pretende minimizar o ocorrido, tentando um diálogo com o IPHAN para talvez pintar ou limpar as pichações no Paço Imperial e no Palácio Tiradentes, mas não podemos cair no discurso da imprensa e imaginar que o que aconteceu foi um acaso. Foi na verdade um descaso de anos que culminou na criação de um pensamento violento e desmedido, ao qual estamos acostumados a ver longe dos cartões postais do Rio. Essas pessoas representam sim uma parcela grande da população que não reconhece o Estado, e que vê na força bruta e na violência a única forma de expressão possível. Cabe a nós, poucos por aqui, mas muitos no Rio, tentar com palavras de ordem e apoio mútuo mostrar pra essas pessoas que dá pra fazer diferente. E não, como eu li, dar um tiro na cara de cada um, porque isso só favorece ao Estado, é discriminatório, triste e lamentável.

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